quinta-feira, 1 de março de 2012

MARCO CATALÃO (1974- )

Marco Catalão é autor de O Cânone Acidental (É Realizações, 2010); tomando por modelos poemas já clássicos da tradição luso-brasileira, quase todos de registro elevado, o poeta sabiamente ‘frustra’ a expectativa inicial de nós leitores, se não por meio de peripécias métrico-rímicas ou metáforas herméticas, por meio de palavras, expressões e figuras que muito adequadamente não se adequam ao modelo original. Desse modo, ostentando um aparato estilístico próprio do registro baixo, musicalidade próxima à da fala comum, fórmulas rítmicas tradicionais e um léxico híbrido, o poeta nos coloca numa espécie de conflito com os seus modelos de eleição, tensão que se resolve gostosamente, para satisfação de todos, num sorriso ou gargalhada. Poeta, ficcionista e tradutor, publicou seu primeiro livro, Antes de amanhã, em 2008. Desde então, recebeu diversos prêmios, dentre os quais se destacam o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos Luiz Vilela, o primeiro lugar no Concurso Nacional de Poesia Violeta Branca Menescal e a bolsa para autores com obra em fase de conclusão, concedida pela Biblioteca Nacional (todos em 2008). Em 2009, obteve o primeiro lugar no Concurso Literatura para Todos, na categoria Textos da tradição oral. Atualmente reside em Campinas (SP), onde desenvolve uma tese de doutorado sobre a obra do poeta argentino Roberto Juarroz. Publicou, entre outros títulos, Os mais belos mitos indígenas brasileiros (2008) e A arte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (2009).







FITNESS


O corpo se transforma em massa esguia
por virtude de muita malhação;
se enfim ostento a forma que eu queria,
o que mais posso desejar então?

Após anos a fio na Academia
(a melhor obra do imortal Platão)
e uma discreta e cara cirurgia,
alcancei finalmente a perfeição.

Mas este lindo corpo é um mero clone
da idéia pura que, sem silicone,
sem rugas, sem suor, imarcescível,

   vive no pensamento como norma
e existe só no céu incorruptível
do photoshop, que em deuses nos transforma.


***


Síndrome do Pânico:

“Conheci o Brasil que não dá ibope
e tive medo. Como quem do morro
inutilmente grita por socorro
e sua voz se perde no po-pop

das balas dos bandidos e do Bope,
assim tive que ouvir, como um esporro
da realidade, como um sai-cachorro,
o rap do terror que a tudo entope.

Forçado a olhar sem máscaras a impura
cara da vida, suja, feia e dura,
vi o que não cabe na televisão.

Recebi o batismo dos incautos
e, incapaz de agüentar novos assaltos,
já não saio de casa desde então.”

***


Círculo Vicioso


“No ônibus cheio, a diarista reclamava:
– Quem dera a minha vida fosse mansa e boa,
com carrão e piscina, como a da patroa!
Mas a patroa dizia ao marido, brava:

– Não fosse o nosso filho, eu bem que te largava,
e ia viver igual à tua amante, à toa,
sem dívida que vence, sem cheque que voa!
Mas a amante, sem conseguir dormir, sonhava:

“Ah, se eu tivesse sido menos azarada,
já estava no apogeu da carreira de artista!”.
Mas a artista, no quinto café, entediada

enquanto concedia a décima entrevista,
num momento de lucidez inusitada,
pensava: “Foda mesmo era ser diarista!”.”





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