quarta-feira, 16 de maio de 2012

ODORICO TAVARES (1912 - 1980)


Foi jornalista, escritor, poeta e colecionador de arte. Era pernambucano e em 1942 radicou-se na Bahia, onde a convite de Assis Chateaubriand, veio dirigir as empresas do conglomerado Diários e Emissoras Associados que, na Bahia, possuía os jornais Diário de Notícias, Estado da Bahia e a Rádio Sociedade da Bahia e, mais tarde, a TV Itapoan. Em Salvador ele logo se integrou entre os escritores, artistas e intelectuais baianos. Em 1944, organiza, com o escritor Jorge Amado (1912 - 2001) e o gravador paulista Manoel Martins, a primeira exposição de arte moderna brasileira brasileira na Bahia, promovida pela seção da Bahia da Associação Brasileira de Escritores, na Biblioteca Pública de Salvador. Em 1947, faz diversas reportagens para a revista O Cruzeiro, depois reunidas no livro Bahia, Imagens da Terra e do Povo, de 1951. Ilustrado por Caribé, o livro é premiado com a medalha de ouro na 1ª Bienal Internacional do Livro e Artes Gráficas de São Paulo, em 1961. Para a reportagem, escrita por ocasião do cinqüentenário da Guerra de Canudos, Tavares viajou pela região percorrida pelo escritor Euclides da Cunha (1866 - 1909) na Bahia, acompanhado pelo fotógrafo francês Pierre Verger.






VOLTA À CASA PATERNA


Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!

Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.


***




ITINERÁRIO COM JOÃO


Vi João no deserto
se alimentando de gafanhotos.
Depois encontrei-me com ele
nas margens do Jordão
batizando o Cristo.
Estive também com ele
nas prisões de Herodes
onde os carrascos do tirano
cortaram  a cabeça de João
e levaram na bandeja
para Salomé.

Fomos nos encontrar
de novo na Igreja de Timbaúba
onde ele desceu do altar
com o seu carneirinho
para brincar com o grupo
dos meninos de que eu fazia
                                      parte
e outro que chegou atrasado
chamado Luciano.

Era noite fria
da véspera
do aniversário de João
e o grupo de meninos
estava acendendo a fogueira
soltando os balões
soltando os foguetes
e João se lembrou das
                   brincadeiras
com o seu primo Jesus.



***


ÁFRICA


A avezinha vôou em busca do ninho.
Os cabelos da mata-virgem estão ficando erectos
A alma dos filhos do Congo
vai fugir nas asas das gaivotas
porque os maós chegaram
estabelecendo as suas tabas
e bebendo o seu sangue.

A mata-virgem está muda e medrosa
e os batuques perderam as mãos.
Só se ouve o arrastar de ferros
da grande corrente
que enlaça a pobre África.
Do bojo dos navios os olhos fogem
para as paisagens dos grandes lagos
e os acenos rítmicos das palmeiras
recebem a lágrima da reça...

  



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