quarta-feira, 17 de outubro de 2012

VIRGINIA TAMANINI (1897-1990)

Virgínia Gasparini Tamanini nasceu na fazenda Boa Vista, no vale de Canaã, município de Santa Teresa, no Estado do Espírito Santo, filha de Epifânio Gasparini e Catarina Tamanini Gasparini, ambos nascidos na Itália e vindos, como imigrantes, pra o Brasil no século passado. Criada em fazenda, aprendeu as primeiras letras e adquiriu alguns conhecimentos equivalentes ao ensino elementar da época com professores particulares. Mais tarde, prosseguiu os estudos no Rio de Janeiro, sob a orientação de seu irmão Américo, que cursava a Faculdade Nacional de Direito, sendo que, ao final do segundo ano, interrompeu seus estudos por motivo de força maior, regressando à casa paterna. Autodidata persistente, continuou nos seus esforços por instruir-se, "dedicando todos os momentos de lazer ao estudo e à leitura." Desde cedo revelou inclinação para as letras, tanto que, ainda muito jovem, escreveu um romance folhetim Amor sem Mácula entre 1922 e 1923, publicado em capítulos semanais no jornal O Comércio, de Santa Leopoldina, usando o pseudônimo de Walkyria. Produziu em 1929, 1930 e 1931 as peças teatrais: Em pleno século vinte, Amor de mãe, Filhos do Brasil, O primeiro amor e Onde está Jacinto? levadas à cena com sucesso. Membro da Arcádia Espírito-santense, tomando parte ativa na organização da Primeira Quinzena de Arte Capixaba, realizada em Vitória, em 1947. Adaptou, encenou e dirigiu, no Teatro Carlos Gomes, a peça francesa Cristina da Suécia, em 1947. Em 1948, montou e dirigiu outra peça francesa, Atala, a última druidesa das Gálias. Pertenceu às seguintes entidades culturais: Academia Feminina Espírito-santense de Letras, como patrona da cadeira n. 3, Associação Espírito-santense de Imprensa, sócia-correspondente da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Recebeu o título de cidadã honorária de várias cidades capixabas, e é nome de rua em Ibiraçu-ES. Agraciada com a Ordem do Mérito Marechal José Pessoa, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, no grau de comendador. Aos 89 anos, ocupou a cadeira n. 15 da Academia Espírito-santense de Letras., cujo patrono é José Colatino do Couto Barroso. Seus poemas estão reunidos no volume Marcos do Tempo.








EU VIM ME DESPEDIR

Daqui olhando o espaço e a costa em fora,
É tão maravilhoso o que diviso,
Que creio ser assim o Paraíso,
Nem posso de outra forma o imaginar!

Por isso penso que Nossa Senhora,
Fugindo ao sopé, quis de improviso
Aparecer aqui, deixando o aviso
Da sua escolha para vir morar.

Sobre esta penha, sinto o pensamento
Arrebatado pela voz do vento,
E meus sentidos já não são mais meus.
Ao pé da rocha, se distende o mar...
Meus olhos descem para contemplar,
Minha alma sobe, para estar com Deus. 


***


ELA É DIFERENTE

Você conhece Vitória?
venha ver
que vai gostar.
É uma ilha bonita
com seu penedo gigante
se alevantando do mar.

Também cidade-progresso
de arranha céus dominantes
e que tem um tubarão
que aqui não come gente,
mastigando eternamente
o oligisto desfeito
cujo pó deve Ter asas
pois vem pousar, sem direito,
nos umbrais de nossas casas.

Uma coisa me aborrece:
nosso tempo é repartido,
relógio manda na gente,
não há mais tempo pra nada,
a vida agora é correr.
ninguém pode descansar.

E o povo se empurra
dizendo ter pressa
querendo chegar.
E às vezes não chega
nem mais vai voltar.
Os ônibus trançam
nas ruas estreitas
e os carros afoitos
se juntam se amassam
tentando avançar.
E às vezes nem chegam
a ultrapassar.
Eu fico pensando...
Vitória de ontem
Vitória de hoje
qual delas se ajusta
ao meu coração?

Ai que saudades
Do bondinho "Circular"!
Na Praça Oito a rodinha
de intelectuais sorrindo
e tirando o chapéu
ao cumprimentar.

Bons dias aqueles,
tranqüilos, de paz.
E a gente passando
e a gente sorrindo
e a gente vivendo...

Menino gritando
vendendo jornal

- Diáario! Gazeeeta! Olha a Gazeeeta!

(E fazia careta)
Moleque safado
mas era engraçado
e a gente parava
comprava o jornal.
Os olhos buscavam
notícias do dia.
Por isso uma vez
fiquei espantada
ao ler o que lia:
- Foi morto o Cauê
na Zona da Mata
de Minas Gerais.
Venderam seu todo
de pura hematita,
navios estrangeiros
virão carregar.
Vitória cresceu pequena
num estranho paradoxo...
E sendo grande e pequena
é fácil de entender.
Uma terra diferente,
bonita, rica, atraente,
só um tanto original.
E nesse barulho todo
de trabalho e confusão,
nos manjando pouco a pouco
tremenda poluição...
Mas isto não será nada,
vamos ganhar esta guerra
pois o mal também se acaba.
Como nos tempos de outrora
há de novo ressurgir
o céu limpo, a claridade,
a beleza, a paz, o amor,
neste chão que é minha terra
- minha terra capixaba! 


***



FOGO NA MATA

O fogo se alastra rugindo qual fera
sedenta de sangue ao baque da presa.
E nessa volúpia de gozo e braveza
o ventre escaldante revolve e descerra!

E abrange a amplitude, e rasga e se aferra,
lambendo raivoso, voraz na destreza!
E a mata se dobra, na rude grandeza,
tombando entre as chamas à face da terra.

Por entre o negrume crepita o braseiro,
e o pobre colono, de braços cruzados,
lamenta impotente a falta do aceiro...

Agora já é tarde. Pois nada mais resta
senão que trabalhos por força dobrados
e a triste saudade da verde floresta... 


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