segunda-feira, 7 de abril de 2014

CASSIANO RICARDO (1895-1974)




 
Cassiano Ricardo Leite nasceu em São José dos Campos, estádio de São Paulo. Poeta, ensaísta e jornalista. Passa a infância na pequena propriedade rural da família, realizando os estudos primários em sua cidade natal, e o ginásio, em Jacareí, São Paulo. Por influência da mãe, escreve seus primeiros versos ainda na escola. Passa a viver na capital paulista em 1915, quando ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, mas conclui o curso de direito no Rio de Janeiro. Estreia em livro em 1915, com os poemas de Dentro da Noite, e, em 1917, lança A Frauta de Pã. Este recebe elogios dos parnasianos Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Atua como advogado inicialmente em São Paulo, e depois no Rio Grande do Sul, de 1920 a 1923. De volta à capital paulista, integra o grupo dissidente da Semana de Arte Moderna, organizando os grupos Anta e Verde-Amarelo, com os escritores Menotti del Picchia, Plínio Salgado (1895 - 1975) e Raul Bopp. O nacionalismo dessa fase tem seu ápice nos poemas de Martim Cererê (1928). Ricardo abandona a advocacia e entra para o funcionalismo público, ocupando cargos diversos: inicialmente o de censor, e, em 1932, o de secretário do interventor paulista Pedro de Toledo, sendo preso por dois meses por apoiar a Revolução Constitucionalista. É eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 1937. Dirige, de 1940 a 1945, o órgão oficial A Manhã, em que cria o suplemento Autores e Livros e partir do qual se torna um dos principais ideólogos do Estado Novo. Conforme o ensaio Marcha para o Oeste, de 1940, suas ideias ultranacionalistas apostam na figura do bandeirante como introdutora do sentimento nacional e representante da possibilidade de ascensão social. Em 1943, após 12 anos de silêncio poético, lança O Sangue das Horas, considerado o início de sua terceira fase, metafísica. De 1953 a 1955, permanece na Europa, como diretor do Escritório Comercial brasileiro em Paris. Publica, em 1964, Jeremias Sem-Chorar e, em 1971, Os Sobreviventes, incorporando procedimentos da vanguarda concretista. Morre no Rio de Janeiro em 1974.








A ORQUÍDEA


A orquídea parece
uma flor viva, uma
boca, e nos assusta.
Flor aracnídea.

Vagamente humana,
boca, embora feita
de inocentes pétalas,
já supõe perfídia.

Já supõe palavra
embora muda.
Já supõe insídia.

Que estará dizendo
o lábio quase humano
da orquídea?

***



SONETO DA AUSENTE

É impossível que na furtiva claridade
que te visita sem estrela nem lua,
não percebas o reflexo da lâmpada
com que te procuro pelas ruas da noite.

É impossível que, quando choras, não vejas
que uma de tuas lágrimas é minha.
É impossível que, com o teu corpo de água jovem,
não adivinhes toda a minha sede.

É impossível não sintas que a rosa
desfolhada a teus pés, ainda há um minuto,
foi jogada por mim, com a mão do vento.

É impossível não saibas que o pássaro,
caído em teu quarto por um vão da janela,
era um recado do meu pensamento!

          ***


SERENATA SINTÉTICA


Lua
morta.

       Rua
       torta.

Tua
porta.



DONIZETE GALVÃO (1955 – 2014)




 
Nasceu em Borda da Mata, estado de Minas Gerais. Publicou Azul navalha (T.A. Queroz, Editor, 1988), As faces do rio (Água Viva Editores, 1991),  Do silêncio da pedra (Arte Pau-Brasil, 1996), A carne e o tempo ( Nankin Editorial, 1997), Ruminações (Nankin Editorial, 1999), Mundo mudo ( Nankin Editorial.2003). Também tem trabalhos publicados nos principais jornais e revistas do Brasil, entre eles Folha de S. Paulo, Poesia Sempre, Dimensão, Inimigo Rumor e Cult.
 
     






RESPOSTA


Na infância, o que se grava na carne permanece.
O sentimento de humilhação por se sentir
                                            torto
                                            fraco
                                            desastrado
                                            quatro-olhos.

Aprende-se a viver inacabado,
a esconder, constrangido, o corpo
nas penumbras.

Como querer que o homem velho,
com sua parca energia já gasta,
mude o registro consolidado?
Como querer que ande horas sob o sol
e faça exercícios vigorosos
como se fora um ginasta?

***



VIDA MINÚSCULA

para quem nasceu destinado
à terra
à enxada
às tarefas
às lidas com o gado
                             a descoberta da língua,
                             para além do uso ordinário,
                             e dos livros
traz um veneno
que o aparta dos seus

                             extravia-se
                             vive-se à margem
                             deseja sem saber o quê

tateia em um mundo
que sempre lhe será estranho

***




O ASFALTO, ENFIM

Se toda morte é descida,
a morte mais dolorida
é aquela com o corpo
varado de balas
                  debruçado
sobre o carrinho de construção
que desce as valas da favela.

Morte de cabeça para baixo
como deveria ter sido a vida
                                inteira
do moleque teimoso
que à força da bala
                        quis levantá-la do chão.

DILSON SOLIDADE LIMA (1982 - )




Nascido em Sertania, Estado de Pernambuco, Dilson Solidade Lima é poeta, compositor e graduado em Letras Vernáculas pela Universidade estadual de Feira de Santana. É autor dos livros As Vestes do Vento, Inenigmática e Voos em Descuido (todos pela Scortecci Editora).









ÀS CANSEIRAS


Peço – qualquer dia –
minha carta de alforria

e saio deste  mundo
pela porta dos fundos!

Nesta gula por nadas,
perdi-me na estrada...

Mas um dia te encontro
– oh luz do iniludível!

***



NO CAMINHO DA VOLTA


Cósmica poeira
por essa Láctea,
passo pelas pedras
dessas praças
que qualquer
canto
outro
ser
entre giros
de transladações
poderia.

Minha
americanamente
latina
ossatura
pende
só de pensar
que sou passagem.

Ventre dos mundos,
as galáxias,
muitíssimos instantes
quanto antigas
(minúsculos)
me nos contemplam
entre músculos
pela omoplata
do planeta
em meio a
plânctons

polícias,
papeletas
e é
como se em
todo canto...

Meu corpo
se perde
nos transes
dessas luzes
que nas lonjuras
chovem

e ao redor
senão esse sopro
ainda menor
que aquele
que virá /
vislumbrado
a poucos.

E ninguém estará
a postos!

Tudo a ser
o que se quase era
num leve apenas
segundo de lembrança

antes,
durante
ou depois
de Cristo.

***




A REGRESSÃO FUTURA


Saudades do que não se pode ter,
saudades de um lunar que jamais fora
senão o éter no instante desta Aurora
ante o livor de um dia aceso... Erguer

da fluida arquitetura o vão das horas
e a leve sensação de não se ser
face à luz que a tantos se demora
em semear seu canto... Ah! Amanhecer

antes mesmo à Manhã! Iluminar
o sol e o último átimo eternizar-
se no ar de suas fúlgidas molduras.

Fio a fio o véu tecer da Tarde
que na Noite mergulha sem alarde
e parte para além de outras alturas.