domingo, 27 de dezembro de 2015

ONESTALDO DE PENNAFORT (1902-1987)

 
Onetaldo de Pennafort Caldas nasceu na cidade do Rio de Janeiro,  onde cursou Direito, no Rio  por volta de 1918, que não chegou a concluir. Iniciou-se na poesia com o livro Escombros Floridos, publicado em 1921. Nos anos de 1920 a 1950 foi um colaborador frequente das revistas  Fon-Fon, Careta, Autores e LivrosPara Todos e O Malho. Traduziu diversas obras, entre elas Festas Galantes, de Paul Verlaine (1934) e Romeu e Julieta, de Shakespeare. Homenageado, em 1955, com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras para o conjunto de sua obra. Sua obra poética, de tendência simbolista, tem como principais livros: Perfume e Outros Poemas (1924), Interior e Outros Poemas (1927), Espelho D’água (1928), Jogos da Noite (1931), Poesias (1957) e Poesia (1987). 








Canção


Quando murmuro teu nome,
a minha voz se consome
em ternura e adoração.

Quando teus olhos me olham,
parece eu se desfolham
as rosas de algum jardim>

Ò meu amor, se é preciso
eu direi que o teu sorriso
é doce como um olhar.

Mas é preciso que eu diga,
ó minha suave amiga,
isso que sinto e tu vês,

mas é preciso que eu diga?




***


 
Predileção


Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbedos de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas... o reflexo
na água dos foscos lampiões... as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, côo dois pesos foragidos,
os meus olhos se embrenham, distraídos,
na natureza — como dois amantes...



***



 
Cavaleiro andante


Se vais em busca da Fortuna, pára:
nem dês um passo de onde estás. . . Mais certo
é que ela venha ter ao teu deserto,
que vás achá-la em sua verde seara.

Se em busca vais do Amor, volta e repara
como é enganoso aquele céu aberto:
mais longe está, quando parece perto,
e faz a noite da manhã mais clara.

Deixa a Fortuna, que te está distante,
e deixa o Amor, que teu olhar persegue
como perdido pássaro sem ninho.

… Porém, ó negro cavaleiro andante,
se vais em busca da Tristeza, segue,
que hás de encontrá-la pelo teu caminho!



LUIZ ANTÔNIO VALVERDE (1951 - )

Luiz Antônio Valverde é duplamente graduado em Letras, Inglês e Francês, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), onde se tornou Especialista em Linguística Aplicada à Língua Inglesa, e Mestre em Literatura e Diversidade Cultural. Doutorou-se em Teoria da Literatura, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e é professor adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Participou da Revista Hera, de Feira de Santana, e, apesar da experiência de vida e poesia, só publicou seus livros de poemas, O exercício da loucura (Edições Cordel, 2005) e A arte de brincar com a poesia (Via Litterarum, Itabuna, 2013), no começo deste século. 







Travessia


 Pasmo de beira de rio
sofrendo vagar,
pelo que está no meio,
o impossível.

Na terceira margem do adeus
vasto céu, a suprema intriga,
onde sabemos que achar
é não ocultar o homem,
mas expô-lo por inteiro e perdido,
paralisado na travessia.




***


Bucolismo


Tens o perfume encantado.
Adoro o que ornas,
e ora renegas, amor,
louco amor,
que, de fato, renegar
é um exercício
de glórias.
Por trás do monte de feno,
ao relento, nos engalfinhamos
e o que mordes, não dói.
Afinal,
não temos como fugir
à vida
pequenas canções,
respingos de chuva.





***





Rito de passagem



Não esperem por mim.
Ante o sol que me desperta,
não desespero, ou antes
folgo em saber-me que, embora triste,
insista nas coisas que falam ao coração.

Pela manhã
o vento quente vem trazer-me alento,
eu dentro e fora do mundo,
acalento ilusões.

Visitei a cidade
nunca dantes conhecida,
a não ser de passagem,
mirada pela distância
entre eu e a estrela
longínqua
da minha infância.

A cidade esquecida
é a parábola da muralha,
espaços contidos, envelhecidos,
eu diminuto à sombra
fazendo tranças,
povoando traças,
sem abas ou asas, perambulando.

Mas o tempo
vira enfim abril,
ressurge a vida.
Nas primeiras chuvas,
idade da fuga,
e cumpra-se a audácia,
vale mais o que vai além da inércia,
deixa tardar a víbora sonolenta,
silenciosamente entrave.
Pessoas assim não contam
a não ser para nos empurrar
para além de nós,
e aí, já se vai por maio
surfar em águas claras, além,
do pequeno eu, arre injúria.



JOAQUIM OSÓRIO DUQUE ESTRADA (1870-1827)



Joaquim Osório Duque Estrada foi um poeta, crítico literário, professor e ensaísta. Duque Estrada nasceu no então município de Vassouras, no sul do Estado do Rio de Janeiro. Foi eleito em 25 de novembro, de 1915, para a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Sílvio Romero, foi recebido em 25 de outubro, de 1916, pelo acadêmico Coelho Neto. Era filho do tenente-coronel Luís de Azeredo Coutinho Duque Estrada e de Mariana Delfim Duque Estrada. Era afilhado do general Osório, marquês do Erval. Estudou as primeiras letras na capital do antigo império, nos colégios Almeida Martins, Aquino e Meneses Vieira. Matriculou-se. em 1882, no imperial Colégio Pedro I, onde recebeu o grau de bacharel em letras, em dezembro de 1888. Em 1886, ao completar o quinto ano do curso, publicou o primeiro livro de versos, Alvéolos. Começou a colaborar na imprensa, em 1887, escrevendo os primeiros ensaios na Cidade do Rio, como um dos auxiliares de José do Patrocínio na campanha da abolição. Em 1888 alistou-se também nas fileiras republicanas, ao lado de Silva Jardim, entrando para o "Centro Lopes Trovão" e o "Clube Tiradentes", de que foi segundo secretário. No ano seguinte foi para São Paulo, a fim de se matricular na Faculdade de Direito, entrando nesse mesmo ano para a redação do Diário Mercantil. Abandonou o curso de Direito, em 1891, para se dedicar à diplomacia, sendo então nomeado segundo secretário de legação no Paraguai, onde permaneceu por um ano. Regressou ao Brasil, abandonando de vez a carreira diplomática. Fixou residência em Minas Gerais, de 1893 a 1896. Aí redigiu o Eco de Cataguases. Nos anos de 1896, 1899 e 1900 foi sucessivamente inspetor geral do ensino, por concurso; bibliotecário do Estado do Rio de Janeiro e professor de francês do Ginásio de Petrópolis, cargo que exerceu até voltar para a cidade do Rio de Janeiro, em 1902, sendo nomeado regente interino da cadeira de História Geral do Brasil, no Colégio Pedro II. Deixou o magistério em 1905, voltando a colaborar na imprensa, em quase todos os diários do Rio de Janeiro. Entrou para a redação do Correio da Manhã, em 1910, dirigindo-o por algum tempo, durante a ausência de Edmundo Bittencourt e Leão Veloso. Foi nesse período que criou a seção de crítica Registro Literário, mantida, de 1914 a 1917, no Correio da Manhã; de 1915 a 1917, no Imparcial; e, de 1921 a 1924, no Jornal do Brasil. Uma boa parte de seus trabalhos desse período foram reunidos em Crítica e polêmica (1924). Tornou-se um crítico literário temido. Gostava de polêmicas. De todas as censuras que fez, nenhuma conseguiu dar-lhe renome na posteridade. Como poeta, não fez nome literário, a não ser pela autoria da letra do Hino Nacional. Além do livro de estreia, publicado aos 17 anos, Flora de Maio, com prefácio de Alberto de Oliveira, reunindo poesias escritas até os 32 anos de idade. Revela sensível progresso na forma e na ideia. Conserva a feição dos poetas românticos, apesar de publicado em plena florescência do Parnasianismo, de que recebeu evidentes influxos, conservando, contudo, a essência romântica. Entre suas principais obras estão os livros: A aristocracia do espírito (1899); Flora de Maio, poesia (1902); O Norte, impressões de viagem (1909); A arte de fazer versos (1912); Dicionário de rimas ricas (1915); A Abolição, esboço histórico (1918); Crítica e polêmica (1924). Conhecido pela autoria da letra do Hino Nacional Brasileiro e sua atividade de crítico literário na imprensa brasileira do início do século XX. Foi membro da Academia Brasileira de Letras. Seu poema, de 1909, foi oficializado como letra do Hino Nacional Brasileiro por meio do Decreto nº 15.671, do presidente Epitácio Pessoa, em 6 de setembro de 1922, véspera do Centenário da Independência do Brasil.








VELHO TEMA


Fatigado viajor, que do deserto,
Ledo, percorre o areal que o sol castiga,
Busca um pouso na terra, onde se abriga,
Vendo as sombras da noite que vem perto.

Assim também, — ó minha doce amiga! —
Em meio ainda do percurso incerto,
No teu regaço, para mim aberto,
Fui repousar, exausto de fadiga...

De uma planta fatal, que em meio à trilha
Em flores perfumosas se desata,
Bebe a morte o viajor que o sonho pilha...

Assim teu beijo a vida me arrebata
— Beijo que guarda como a mancenilha
O mesmo aroma que envenena e mata!



***



Esquecimento


Se queres inda ver como escondida
Guardo no peito a tua imagem pura,
— Imagem que no céu da minha vida
É como um sol ardente que fulgura;

Convida o coração na sepultura
A viver e pulsar por ti; convida
Minh'alma para amar de novo; cura
A, que lhe abriste, cáustica ferida...

Só pedira a paixão com que me iludo
Que um raio apenas d'essa luz me desses,
E uma palavra do teu lábio mudo;

Mas nem ouves, sequer, as minhas preces;
E enquanto, para amar-te, esqueço tudo,
Tu, por um nada, o meu amor esqueces.



***


Ninho Azul

O nome da habitante... é um pecado dizê-lo:
A luz do seu olhar, o ouro do seu cabelo
Não têm rivais nos sóis nem nas manhãs serenas
E claras: é uma flor entre outras mais pequenas...

Quando ela sai de casa, um instante, a passeio,
Se deixa, descuidosa, o tesouro do seio
Fugir da renda, em toda a extensão da alameda
Erra um perfume quente e sensual que embebeda...

Acende-se o vergel ao seu encanto, como
À onda clara de luz um verdejante pomo;
E no alto da montanha, e por todo o valado,
Embaixo, em cima, o sol, mais quente e mais dourado

Rutila. Enche-lhe a veste o olor das brancas pomas...
Se pisa a alfombra, no ar uma oblata de aromas
Se eleva; e as flores vão beijar-lhe os flancos, uma
Por uma, e o róseo pé feito de jaspe e espuma...

Guarda na fina pele, em ondas voluptuosas,
A neve dos jasmins e a púrpura das rosas;
E da ânsia e do prazer toda a volúpia louca
Eletriza-lhe o seio e esbraseia-lhe a boca.

Se o vento rodomoinha em torno, ou, brisa terna,
Quer descobrir-lhe o pé e acariciar-lhe a perna,
Ou, com a fúria brutal de um desvairado amante,
Cobiçoso, se afoita a caminhar por diante,

Bebendo da alva pele o aroma capitoso
Naquele céu de carne onde lateja o gozo,
A alva do seu roupão busca logo escondê-la
Como uma nebulosa ocultando uma estrela.




segunda-feira, 30 de novembro de 2015

EMÍDIO DE MENEZES (1897-1933)


Waldemar Emídio de Miranda nasceu no Recife e morreu em Rio Branco (Arcoverde). Era filho do professor Auxêncio da Silva Viana e Maria dos Passos de Miranda Andrade. Muito cedo começou a versejar e a beber, entregando-se pouco a pouco ao vício. Porém, apesar disto, Emídio era muito querido pelas pessoas por ser um homem respeitador, bem aparentado, feições nobres e vasta cabeleira que usava ao estilo Castro Alves. Bom poeta e ótimo declamador, sabia de cor tanto os seus versos quanto os de outros vates mais conhecidos.  Assim, naqueles tempos de romantismo, um poeta com sua estampa e competência literária fazia muito sucesso em qualquer cidade, principalmente as do interior, sempre visitadas por Emídio em suas andanças. Nessa peregrinação, o poeta residiu no Recife, em Rio Branco(atual Arcoverde), Caruaru, Triunfo, Serra Talhada, Bom Conselho, Belo Jardim e depois voltou à Rio Branco, onde ficou até sua morte. Em sua bibliografia apenas dois títulos: Rosal, com prefácio de Ulysses Lins, e Rosa da Serra e outros poemas.








ESSA QUE PASSA

Foi minha amante essa mulher que passa...
Sorveu-me em beijos todo o meu ideal!
E comigo bebeu na mesma taça
O vinho do desejo sensual...

Muito tempo possuímos nós, sem jaça,
A gema da ventura triunfal!
Mas um dia partiu... E ei-la devassa,
Bracejando no pélago do mal...

Quando ela passa, eu vejo na tristeza
De seu olhar de erótica beleza
Todo o brilho da orgia da desgraça...

E não posso ficar indiferente,
Só porque afinal, infelizmente,
Foi minha amante essa mulher que passa...  




***



A UM BURGUÊS

Tu, ventrudo burguês analfabeto,
Escultura rotunda da irrisão,
Para quem o viver mais limpo e reto
Consiste em ser devoto e ter balcão;

Tu, que resumes todo o teu afeto
No dinheiro, — o metal da sedução —
Pelo qual negociarás abjeto
Tua esposa, teu lar, teu coração,

Escuta, ó ignorantaço, o que te digo:
Esse ouro protetor, que é teu amigo,,
Que te deu o conforto de um paxá,

Pode comprar qualquer burguês cretino;
Mas a lira de um vate peregrino
Não compra, não comprou, não comprará.


***



CRUZES DA ESTRADA

Aprumada, serena, humilde e suplicante,
Tragicamente negra em seu sombrio porte,
A cruz da estrada lembra a todo caminhante,
Que por ali passou o ciclone da morte.

Passo... Não há negar ... A cruz testemunhante
Diz bem que ali partiu-se o fio de uma sorte,
E outra aqui, outra ali,e mais outras adiante
Dão uns ares tumbais as estradas no Norte.

De sangue algumas são, cruzes de punhais,
Ou de balas talvez... Causam pavor (Passemos
Sem olhar ). Outras são de morte naturais,

Decrépitos anciãos que tombaram. Rezemos.
E aquela toda azul por entre os pereirais?
Cruz de moça enganada! Cruz de amor. Choremos. 


ÁLVARO ALVES DE FARIA (1942 - )

Álvaro Alves de Faria é poeta, prosador e jornalista; publicou seu primeiro livro, Noturno Maior, em 1963. No ano seguinte, lançou nova coletânea, Tempo Final. Pouco depois, ele ganharia ampla notoriedade, por causa das leituras de poemas que realizou publicamente no Viaduto do Chá, no centro da capital paulista. Seu livro O Sermão do Viaduto (1965) foi lançado num desses recitais. Em 2003, a editora Escrituras reuniu seus 16 livros de poemas escritos até então no volume Trajetória Poética. Depois ainda vieram O Azul Irremediável (1992), Terminal (1999-2000) e À Noite, os Cavalos (2003).









ESPETÁCULO


                  para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas


O salto mortal
é meu número especial
nesta tarde de domingo.

Não temo o trapézio
por não saber voar
sobre as cabeças
que torcem para a corda arrebentar.

Quando muito,
abro a tarde
falando ao respeitável público
que farei a mágica final
de desaparecer
sem nunca ter sido
visto por ninguém.


***


PRATICIDADE

                 

Abro o guarda-chuva japonês
cinza
em cima da minha cabeça
e caminho em direção ao banco.

Pagarei minhas contas
olharei os olhos vermelhos
da moça do caixa
e observarei suas unhas claras.

Conversarei com outros clientes
sobre a vida
e direi que o governo é culpado de tudo.

Nunca mais esquecerei
esta mulher de boca acesa
na fila
atrás de mim.

Sairei depois à rua
e me sentirei um magnata
fora do tempo.

Encontrarei à manhã
vizinhos tristes
e direi palavras desnecessárias.

Enfim
sou um homem prático.

Já posso matar-me sem remorso.



***



ESTAR

Esferográficas cortam palavras
no céu da boca, como facas:
assim, letras inertes cedem ao tempo
e calam sílabas agudas.

Pouco áspero
será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto,
a poesia na xícara de veneno.

Pouco o nítido sentir
o líquido
de teu pressentimento
como se fosse possível
calar para sempre.

Nada senão a gilete enfiada na pele,
a face neutra do olhar enfermo:
enfim a planta na raiz de teu pomar,
enfim
o fim da espera, do estar
.

PATRÍCIA HOFFMANN (1975 - )


Nascida em São Paulo, a poeta Patrícia Claudine Hoffmann mora em Santa Catarina desde os seis anos de idade. Fez o curso de letras em Joinville e trabalha como professora de língua portuguesa. Sua estreia em livro deu-se com a coletânea Água Confessa, publicada em 2001. Veio em seguida o título Sete Silêncios (2004), um trabalho focado no silêncio e no número sete. São sete capítulos (silêncios), cada qual contendo sete poemas. Esse último livro também foi publicado em formato digital e está disponível desde 2010 no site Bookess








VIOLINO-MARINHO

A infância coleciona
coisas pequenas.
Ele guardava em segredo
uma miniatura do mar.
Dentro dela morava um
violino-marinho
com quem ele costumava
chorar
durante toda a chuva.
Chorar de brinquedo.


***


REFÚGIOS PARA GUARDAR MEU PAI

                                                                        in memoriam


A saudade desenha seus estiletes, pai.
De dentro para fora.

Teus molinetes, agora
ornamentam a casa
com inconformável beleza:
procuram tua pesca.

Nenhuma fresta entre nós.
Nenhuma isca.

Na antifesta de estar,
o mar desfeito
não comemora comigo:
estamos sós.

E não há pacto
de anzóis que capture
a precocidade de tua ausência
ou te devolva
como devolvíamos os peixes para a água.
— Lembras?

Apareceram uns cansaços nas paredes.
Onde antes teu descanso
sobre o dorso das redes,
agora memórias rendadas
avarandam a chuva
em chamamento.

Enquanto o vento motiva algum sol,
embala-me ainda teu riso
nos braços já fracos
da infância.

— As tarrafas cresceram, pai.
Ainda não aprendi a dobrá-las.



***


[NÃO PROCURES O AMOR]

Não procures o amor
na solidez de teu vazio.
O tal de Amor quando se perde
deixa rastros de navio.
Por isso às vezes choro,
às vezes.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

FÁBIO BAHIA (1976 - )

Fábio Bahia de Oliveira é natural de Santaluz. Licenciado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Em 2003, passou a residir em Caldas de Cipó, de onde produz contos, poemas e também um romance ainda em edição de titulo: Relato de um Anjo caído. Publicou, em 2014, o livro de poemas Ferramentas dos Deuses (Mondrongo, 2014). Já foi premiado e publicado em antologias sites e revistas no Brasil e na Espanha.







Gato vadio


Gato vadio que andas no escuro
calçada, telhado e em cima do muro
ágil, veloz e de intrépidos pulos
criatura de Artemis, beleza do mundo.

Gato vadio que enxergas no escuro
para fêmea no cio, em só um segundo
felinos mistérios, se mostra fecundo
enfrenta rivais e ao se ver em apuros

gato vadio, se mostra tão duro
de luta feroz não é abstenho.
Presas e garras defendem seu prêmio.

Gato vadio, que reina no escuro
Vives tudo e tudo é tão pleno.
Fazes meu mundo parecer tão pequeno.



***




HAI-KAI




[A MAGIA DA VIDA]

Onde está da vida, a magia?
Ora, até os animais sabem
vivemo-la todos os dias.




***



ÁGUA TERMAL


A água brota
quente e corre
pelo chão como s
                                        e
                                                     r
                                                         p
                                                                  e
                                                                n
                                                                         t
                                                                                                  
                                                                        e




CLÁUDIO NEVES (1968 - )

Nascido na cidade Rio de Janeiro, mas morando em Fortaleza, Ceará, há quase duas décadas, Cláudio Neves é poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário e professor: bacharel em Comunicação Social e licenciado em Língua Portuguesa. Publicou pela primeira vez no Jornal de Letras (1988).  Seu livro de estreia, De sombras e vilas (7Letras), no entanto, deu-se apenas 10 anos depois, em 2008.  Em 2009, publicou Os acasos persistentes, também pela editora 7Letras, e, em 2011, Isto a que falta um nome, pela É Realizações. Para o poeta e crítico Ivan Junqueira, na contracapa de seu Isto a que falta um nome, a poesia de Cláudio Neves é “como toda grande e autêntica poesia, a de Cláudio Neves é uma permanente surpresa, no que toca à linguagem, ao ritmo, à música sutil das rimas, ao inesperado das imagens e metáforas, aos temas que se renovam a cada poema. Há neste poeta um harmonioso casamento entre a emoção que pensa e o pensamento que se emociona, o que realça e ilumina a expressão poética”. 






VILA


Seu Pedro morreu roncando.
Dona Hilda, de derrame.
Juquinha, daqui uns anos.

Eunápio foi miocárdio.
Hélio e Mário, um mesmo câncer
metódico, magnânimo.

Seu Paulo reforma o muro
que não verá reformado.
Num prédio, noutro subúrbio,
Judite abrirá o gás,
tomará dez comprimidos.

Ao ocaso, Dona Lourdes,
de ignorado destino,
fecha a janela como se fechasse um livro



***




INTRODUÇÃO À SOMBRA
4. A MORTE

A morte ensina à sombra
como habitar as coisas,
seduzi-las,
e a sombra, à morte
como, tocando-as,
consumi-las.

Que a morte, como sangue,
na sombra circula,
e a sombra  braça a morte,
e a anula.


***



Entreato


... é que amiúde um objeto me constrange
com sua mera e casual presença,
sem que me doa, fira ou que me lembre,
sem que mais seja que ser ele mesmo.

E o vigio em alheado assombro
daquele tudo que nele universo,
ambos fincados no mesmo mistério
de sermos seixos nesse leito espaço-tempo.

Uma falsa maçã sobre uma mesa,
um espelho e a sala em seu fundo ou pele,
um cão, um morto, uma cadeira velha...

E às vezes penso se essas horas sem essência,
que nada valem, nada são, nada libertam,
me salvam do naufrágio da existência.


INÊS MONGUILHOTT (1958 - )


Inês Pedrosa de Araújo Monguilhott é natural Recife, Pernambuco, no entanto, morou grande parte de sua vida em João Pessoa, capital da Paraíba. Há 25 anos mora em São Paulo. Escreveu dois livros de poesia que pertencem a uma trilogia: Natural (2011) e De mim (2013), ambos publicados pela editora Ofício das Palavras. Os poemas que se seguem, pertencem ao livro final da trilogia, cujo título ainda permanece indefinido, e foram gentilmente cedidos pela autora.














ARGOS


 As coisas podem refletir,
concêntrico e ciclópico, o olhar.
Ou, desavisados, os olhos podem,
se não se mantiverem bem presos,
– sem tremular sequer um risco –
romper as superfícies
como fossem água ou ar e,
navalha ou navio,
perderem-se feito pedra
num oceano,
arrastados.


***



SARGAÇO


 Coalha a foice da praia,
e maior,
uma fluida cabeleira de morta.
Massa resfolegante imersa,
inútil messe das ondas
multidão a me enroscar as coxas.

Peixes,
olhos transfixos destes escombros sonambúlicos
aprendem a sufocar,
a suportar suas vísceras arquiteturas,
e suplicam por mais e mais.
Mais ar.

Pesa-lhes uma estúpida beleza.



***



RECOLETA


 Na iglesia del Pilar vazia, meu amigo desobedece
toca a sineta que anuncia o santíssimo.

Para certifica-se do que vê
sobe ao altar e bate os nós dos dedos
no metal do púlpito.

Nem a prata responde,
contudo, nela,
ele crê.  



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

ANNE CERQUEIRA (1964 - )

Anne Cerqueira é formada em Letras pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), cidade onde nasceu. Atua na área de jornalismo e tem trabalhos publicados em vários livros e revistas. Nos anos 90, foi incluída pelo escritor Assis Brasil, na coletânea nacional A Poesia Baiana do Século XX (Imago, 1999), que reuniu 60 poetas baianos.






Poema revisitado






Quero te dar um presente, meu amigo
aquele velho livro ou disco
porque aqui tudo é velho
até mesmo o que acaba de sair do forno
já sai condenado. Vou ler um dos meus poemas
preferidos
para você achar que a vida tem jeito
e só os poetas sofrem
como Maiakovski
ou Bukowski que queria derreter a morte
com versos
como se derrete manteiga
e ele nem tinha ilusões, veja só
sinto pena.
De mim e de você que nada somos
e desafiamos a morte no supermercado.
Quero te dar um presente, meu amigo.
Talvez uma quantia em dinheiro
que te sustente na velhice se você chegar lá
envergado desse jeito
inútil desse jeito
da mesma forma que eu
que já vivi noventa anos em quarenta
(e foram só meses)
e nem tenho nada para te oferecer
pois tudo é gasto.
Vamos ouvir música
comer bobagens
atravessar a rua sob o sol de meio dia
porque é isso que nos resta.
Sou infantil, egoísta e confusa e quero te dar um presente, meu amigo
para que você me odeie profundamente
e diga:
não sei o que fazer com isso. E assim seremos iguais mais iguais que os outros.
Numa irmandade que não nos salva
nem preserva
não é bondosa
nem misericordiosa
nem má. Não existe por códigos especiais e secretos
nem nos torna especiais ou melhores
ou piores
ou diferentes.
Não nos subtrai, nem acrescenta. Mas pela graça de Deus
não nos pede retorno.
Toma é tua essa pedra.
Verbo.
Meu amigo, não sei para que serve
e talvez seja esta sua única função. 


***


Navegar




É preciso ser feliz para esquecer
que a vida é esse prego na carne.
A conta para pagar
o desamor
(o desamor não mata ninguém –
ele disse e eu repeti
tantas vezes que perdeu o sentido)
é preciso perder o sentido
para ser feliz
larga a vida
vai ler um livro.
Navegar
quando preciso.



 ***

Caminho



O azul desabou sobre mim
suas promessas impossíveis

Por onde ir, meu Deus,
cega assim?

Nessa tarde
mínima
e absurda

Onde estás, onde estás
que não respondes?








RONALD FREITAS (1979 - )


Ronald Freitas é baiano de Caldas de Cipó, trabalha como Diretor de Cultura do seu município, onde também milita na educação e apresenta o programa Catraca Cultural pela Rádio Milênio FM. Estudante de Letras, há algum tempo busca publicar seu primeiro livro intitulado Corpo Aflito. Participou das coletâneas: IV Prêmio Canon de Literatura, II Concurso de Poesia Amigos do Livro da Feira do Livro de Poços de Caldas, III Prêmio Cidade Poesia de Bragança Paulista, e mais recentemente da coletânea Outros Riscos, oriunda do Prêmio de Poesia Damário Dacruz, promovido pela Fundação Pedro Calmon. Ficando também com a menção honrosa no Concurso Nacional de Poesias Sérgio Monteiro Zan organizado pela Prefeitura de Ponta Grossa no Paraná, e com o 1º lugar no 9º Prêmio de Literatura Paulo Setúbal do Estado de São Paulo. Alguns poemas de Ronald Freitas podem ser encontrados na antologia Cantares de Arrumação: panorama da nova poesia de Feira de Santana e Região (Mondrongo, 2015), organizada pelo poeta Silvério Duque.

















UM CANTO A AYLAN KURDI

Ao poeta Wender Montenegro, pai.



O roxo azulado nas mãos do pequeno Aylan decretava o silêncio.
Era a cor do adeus manchando a praia
Escorrendo chumbo e indiferença ao largo Mediterrâneo.

Nenhum pássaro naquela manhã em Bodrum.
No bote, pesava sobre a criança um amontoado de pavor, esperança e sal.
Não compreendia bem toda aquela agitação
O porquê de não ter trazido sua bola
Não compreendia aquele estranho passeio da morte em família.

Entre as pernas da mãe, observava Galip, seu irmão mais velho
O pai que conversava com outros homens.

Na madrugada, desperta o pequeno peregrino encharcado pela fria imensidão.
E com o coraçãozinho estremecido, sente pela última vez a mão do pai 
que tenta em vão alcançá-lo... 
numa luta desigual com os braços hercúleos do mar.




II


[PARTE AYLAN PELA ESCURIDÃO]



Segue agora pela via imaculada dos anjos
Com as asas molhadas
Sozinho e consumido pela água impiedosa.
Não sabe dos seus pais, do seu irmão Galip,
Não sabe mesmo que estranha agonia é aquela que lhe sufoca o peito.

Não irá à escola,
Tampouco gritará gol na terra empoeirada do seu país erguido 
entre o sangue e o desespero.

Permanecerá naquela praia, deitado de bruços sobre a areia fria
Aguardando imóvel os corpos de sua mãe e do seu irmão 
que não tardarão a chegar.



***


Uma outra história


Na curva daquela estrada
a escuridão não veio.

( na curva, o dia era apenas sol )

Pena que não passamos por aquele caminho,
vivemos alheios às curvas.


 ***

Poema da Anunciação





1.

O corpo dobra-se ao peso da vida
dobra-se à curva do tempo
desenha milagres de giz.



2.

Pouco fui de filho talvez,
quanto serei de pai na ausência de mim mesmo?
nas tuas ausências, na ausência nossa de cada dia?


3.

O olhar vago percorre o quarto,
o quarto adormece e os olhos do pequeno engolem meu coração.