segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ÁLVARO ALVES DE FARIA (1942 - )

Álvaro Alves de Faria é poeta, prosador e jornalista; publicou seu primeiro livro, Noturno Maior, em 1963. No ano seguinte, lançou nova coletânea, Tempo Final. Pouco depois, ele ganharia ampla notoriedade, por causa das leituras de poemas que realizou publicamente no Viaduto do Chá, no centro da capital paulista. Seu livro O Sermão do Viaduto (1965) foi lançado num desses recitais. Em 2003, a editora Escrituras reuniu seus 16 livros de poemas escritos até então no volume Trajetória Poética. Depois ainda vieram O Azul Irremediável (1992), Terminal (1999-2000) e À Noite, os Cavalos (2003).









ESPETÁCULO


                  para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas


O salto mortal
é meu número especial
nesta tarde de domingo.

Não temo o trapézio
por não saber voar
sobre as cabeças
que torcem para a corda arrebentar.

Quando muito,
abro a tarde
falando ao respeitável público
que farei a mágica final
de desaparecer
sem nunca ter sido
visto por ninguém.


***


PRATICIDADE

                 

Abro o guarda-chuva japonês
cinza
em cima da minha cabeça
e caminho em direção ao banco.

Pagarei minhas contas
olharei os olhos vermelhos
da moça do caixa
e observarei suas unhas claras.

Conversarei com outros clientes
sobre a vida
e direi que o governo é culpado de tudo.

Nunca mais esquecerei
esta mulher de boca acesa
na fila
atrás de mim.

Sairei depois à rua
e me sentirei um magnata
fora do tempo.

Encontrarei à manhã
vizinhos tristes
e direi palavras desnecessárias.

Enfim
sou um homem prático.

Já posso matar-me sem remorso.



***



ESTAR

Esferográficas cortam palavras
no céu da boca, como facas:
assim, letras inertes cedem ao tempo
e calam sílabas agudas.

Pouco áspero
será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto,
a poesia na xícara de veneno.

Pouco o nítido sentir
o líquido
de teu pressentimento
como se fosse possível
calar para sempre.

Nada senão a gilete enfiada na pele,
a face neutra do olhar enfermo:
enfim a planta na raiz de teu pomar,
enfim
o fim da espera, do estar
.

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