segunda-feira, 11 de setembro de 2017

JESSIER QUIRINO (1954)

É poeta, compositor e interprete brasileiro, que faz uso de um linguajar nordestino utilizado como um recurso cômico além de expressar a rica cultura popular existente no sertão nordestino. Nasceu em Campina Grande, no estado da Paraíba, no dia 30 de abril de 1954. Foi aluno do Instituto Domingos Sávio e do Colégio Pio XI. Com 11 anos ingressou na Escola de Artes. Após concluir o ensino secundário mudou-se para a cidade do Recife, onde estudou no Colégio Esuda. Com 16 anos aprendeu sozinho a tocar violão. Em 1998 lançou seu primeiro livro de poesias Paisagem do Interior e desde então virou artista de palco, fazendo apresentações em teatros, universidades, clubes, grandes convenções, festivais de repentistas etc. Seu trabalho com a rima e a métrica tem sido estudado nas salas de aula. Por duas vezes sua obra foi tema do vestibular da Universidade Católica de Pernambuco. Seus livros infantis: Chapéu Mau e Lobinho Vermelho e Miudinha foram adotados no programa Educação de Jovens e Adultos do MEC, para o Estado de Pernambuco. A poesia, os “causos” do interior, os cordéis e as músicas de Jessier Quirino já foram publicadas em livros e CDs. Além de Paisagem do Interior (1998), publicou: Agruras da Lata D’água (1998), os CDs Paisagem do Interior I (1999), Paisagem do Interior II (1999), Prosa Morena (livro e CD, 2001), Política de Pé de Muro (2002), Bandeira Nordestina (livro e CD, 2006), Berro Novo (livro e CD, 2010), Papel de Bodega (livro e CD, 2013), Vizinhos de Grito (DVD – gravado ao vivo no Teatro da Boa Vista, no Recife, 2013).













ARGUMENTO DUM VELHO SERTANEJO


Mode as modas de hoje em dia
Mode os modos de falar
Mode os amuo dos besta
Mode os presepe de lá
Mode estrupiço dos tempos
Mode eunão me amedronhar
Mode os pi-bite das rua
Mode as mutreta que há
Mode as falta de um bom-dia
Um boa noite, um olá
Mode assalto, mode tiro
Mode as fumaça do ar
Mode eu não ter desgosto
Ou mesmo me ressentir
Não se anime mode eu ir
Que eu não deixo esse lugar.


***


CAMINHÃO DE MUDANÇA

Vai pela estrada um caminhão repleto de mudança
Levando a herança de herdeiros de poucos herdados:

Os engradados de uma cama finalmente em pé
Arca e Noé prisioneiros desse esfaqueado
Encaixotados os tecidos, mimos e quebráveis
E os incontáveis cacarecos soltos remexidos
Dois falecidos num retraio olham pra paisagem
Guardando imagens e lembranças dos seus tempos idos.

Um velho espelho já trincado mostra o azul do céu
E o mundaréu ensolarado se faz de carona
Uma meia-lona sobreposta com o melhor arrojo
Se faz de estojo pra relíquia da velha sanfona
Uma poltrona escancarada de pernas pra cima
Fazendo esgrima com cadeiras, bancas e tramelas
De sentinela dois pilões de bojo carcomido
E um retorcido pé de bucha de flor amarela.

Em dois colchões almofadados dorme a bicicleta
E duas setas de uma caixa mostram dois achados:

Um emoldurado de retraio com um Jesus sereno
E o último aceno de saudade de um cortinado.
Desbandeirado segue o carro rumo a seu destino
Um peregrino pitombado de grande esperança
Vai, na boleia, um passageiro carregando sonhos
Vai, na traseira, dez carradas de velhas lembranças.


***



Endereço de Matuto

Daqui até lá em casa? No Sítio Caga-Chapéu?
Dá um bocado de légua
Mas não é leguinha besta, nem légua de beiço não.
É légua macha, abafada
Dessas légua macriada, medida a rabo de cão.

Você saindo daqui, nem querendo você erra
No oitáo do cemitério pega a viela de terra
Desce em Toim Farinheiro
Passa a água brancacenta de Zefinha Lavadeira
Daí pra frente é estrada...

Depois da reta pegada
Avista o esbarro d'água do pai de Mane Maior
Avista o tamarineiro
Morado e sombreado de Seu Zé Vacinador
Quando chega nas quebrada do Raso do
Macaíba
Pega um mato embamburrado
Que o cabra morre e não chega
No Lajedo da Formiga.

Avistando um pé de pau com parecença de ipê
Aí o cumpade vê uma pista arreganhada
Prontinha se oferecendo pró cabra que aparecer,

Mas aí você não quera...
Diz: Essa não apriceio!!!
Pega a trilha carroçave
Com duas baixa dos lado e cabeleira no meio.

Bem dizer já tamo dentro da Avenida do Capim
Toca em riba da babugem coberta de pisadura
E tome rédea esticada do começo até o fim.

É estrada festejada por cerca de todo tipo:
É cerca de enchimento, de vara e de pau-a-pique
De lance, de avelós, de pedra, cama-no-chão
Trançada e pedra dobrada, aramada e travessão. |

E abre e fecha porteira
Porteira de pau-em-pé, de mourâo, de pau corrido
De colchete e zigue-zague
E o cabra ali no mondé!...

Se chegar numa porteira lambuzada de azul
Aí o cumpade errou...
Volte dez braça pra trás e quebre o braço direito
Onde começa Amargosa, as terra do meu avô.

Quando der numa caieira de pretura acarvonada
Pega a subida abusada do Serrote do Mói-Mói
É trecho pau-com-formiga
É ladeira enladeirada
Se o cabra sobe fumando
Cai cinza dentro do zói.

Bem dizer não chega em riba
Pega a gangorra descendo.

Da ribanceira pra baixo
É Sítio Caga-Chapéu
Avistando o mundaréu
Dali você tá me vendo.

Vê gado e capim-mimoso
Em estado de baixio
Em estado de balaio
Laranja, manga e limão
Pé de jaca jaquejando
E caju de vez em quando
Cajuindo pelo chão.

NÃo dá um pulo de grilo
Pra chegar no meu terreiro
É rudiar o açude
Que o cabôco morre em cima
O cabra logo se anima
Na sombra do juazeiro.

É uma casinha alpendrada
Com cinco bico de luz
O cachorro é Bero-Waite
Mas abana logo o rabo
Pra Nego-Véi e Cuscuz.


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