segunda-feira, 11 de setembro de 2017

SILVÉRIO DUQUE (1978 - )

Silvério Duque nasceu em Feira de Santana, aos 31 de março de 1978. É professor de Literatura Brasileira  e História da Arte, formado em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Músico (clarinetista), foi coordenador da Escola de Música da Filarmônica Euterpe Feirense. É poeta, com vários textos publicados em diversos veículos de comunicação especializados como os Jornais A Tarde, Tribuna Feirense, Dicta & Contradicta, Jornal Opção, entre outros. É Autor dos livros: A pele de Esaú (Via Litterarum, 2016), Ciranda de Sombras (É Realizações, 2011), Do coração dos malditos (Mondrongo, 2014), Cantares de Arrumação – organizador – (Mondrongo, 2014), e seus mais novos livros À sombra dos emparedados e Fartura e Ossos estão no prelo.











SONETO DE CONTEMPLAÇÃO
(SOBRE UM TEMA DE ELPÍDIO FONSECA)






 Eu vi teu corpo nu à luz da lua
ou o brilho teu na lua refletido...?!
Por certo eu contemplara enternecido
a lua que na terra se fez nua.

Depois saímos luminando a rua
com o brilho de teu corpo revivido
e te entregaste a mim com o olhar tão vívido
como fizera a minha carne à tua.

Neste mesmo fulgor nos completamos
com a chama ideal já transformada
num ir e vir de luz que deslumbramos.

E assim permanecemos neste enleio:
tu - sarça imarcescível e alumiada
eu - a derramar estrelas no teu seio.





Feira de Santana/Candeias 23-24 de julho de 2015.








***


TRÊS SONETOS NADA CONVENCIONAIS





 I
[RAZÃO X FELICIDADE]



 – Minha vida com Maria? Uma desgraça!
Desconchavo de amor e de tormento.
O espaço que ocupei em sua massa
cinzenta? Grande quão seu “pensamento”

que aliás bem poderia dá-lo às traças
pro seu orgulho e meu contentamento –
qual um Kierkegaard carente de chalaças
elas adoram um péssimo argumento…

Cheinho de razão e de ateísmos
eu (um dia) a contestei com um carinho
digno dos mais sinceros Neomarxismos…

Ela se foi – com uma cara de Tom Berenger –
e aqui fiquei (tão sábio), mas sozinho
e bruto como um clone do Schwarzenegger.








 II
[A VIRGEM DOS DEVANEIOS]



 – Cansada de sofrer de desenganos
subiu no ônibus e olhou além
de um horizonte que ninguém via... ninguém...
Era assim uma rotina de vinte anos.

Pagava, se achatava e refletia:
“se é para desperdiçar meus seios – vixe! –
melhor era sofrer num Mitsubishi”.
E sentia que a vida lhe ruía.

Certo dia (porém) os olhos de Ana
se viram em outros olhos – xerocados –
dois sóis em meio a tantos desgraçados.  

Mas ele achou-a “feia e doidivanas”.
Ana (que não o poupou de um adjetivo)
morreu de suspirar num coletivo.







 III

[FANTASIA PÓS-CARNAVALESCA
SOBRE UM TEMA DE CARLOS PENA FILHO]



 Liliane – a desolada – se rendia
aos apelos cruéis de um Ballentine’s
e como um velho conselheiro Aires
tentou viver uma vida em que não cria.

Mas viu em suas reflexões alcoólicas
que “a dor de uma paixão ninguém entende”
e o coração a si não se compreende
em suas resignações tão melancólicas.

Como quem opina no programa da Hebe
Conselhos sua mãe ofereceu-lhe
Pois: – “Deus do Céu não vela por quem bebe”!

Livre de culpas – toda serelepe –
Liliane (a renovada) obedeceu-lhe...
e foi fumar maconha em Arembepe.




***


UMA VIAGEM

(ou O CRÂNIO DOS PEIXES)

a Agostinho Ribeiro do Nascimento e família
e a todos os Ipiraenses de vão-e-vem como eles...

Un souvenir heureux est peut-être sur
terre plus vrai que le bonheur
A. MUSSET






I



– A rodoviária é sempre a mesma
aglutinação de almas a se moverem
cada uma com seu vazio diário ao passo
das coisas perpétuas – são os mesmos tipos
diferentes dos mesmos rostos multiplicados tão longínquos e sombrios à incansável
jornada de cada dia por dentro daquela
mesma matéria a cada minuto mais
exposta a cada passo mais restrita e em
cada palavra não dita uma perdida
urgência de viver...

É aqui que meus instantes declaram
sua existência descontínua e fundamental.
É na poltrona do ônibus que uma explosão
de vida me elabora por trás dos
seres que fogem. É por sua janela
que os elementos se resultam
no fantasma incorruptível de meu destino
na ponderabilidade incorrigível
do meu Espírito ou na lembrança
distante de minhas melancolias e de todas
as hostilidades
– da identidade anterior de
todos os meus pensamentos.

Daqui parto como a última e nenhuma
vez a partir de novo. Daqui parto:
circunspecto e impreciso – mas principalmente
forasteiro: peregrino da minha
e de tantas almas
como todas, talvez?!
Daqui parto sobre a Asa fugaz
das rodas e da Estrada ao lado de toda
tristeza profunda e ilegível com o asfalto
(como a me indicar uma metáfora) ou
com o meu companheiro de poltrona
a me mostrar em seu imperceptível perfil
o espelho de meus dias e de meus sentidos:
a denúncia de minha solidão
(e da sua) à face fria da evasão
de todos os meus sonhos.

Aos poucos Feira de Sant’Anna some ao longe:
naufragada nas rochas no
calor e nas mãos penosas
do horizonte infinito. Sua imensidão e sua
vulnerabilidade dão lugar à Caatinga
consciente de sua Beleza e de sua Fúria
(faminta de tantas raízes e tantas líricas
afogada sob a imensidão fria e perene
dos Céus... sobrevivente sob

a tardia evolução das pedras e
dos homens que como elas
edificam seus dias de tempo
e pó): revigorada de um erotismo
verde a Caatinga toca os meus
olhos de unânime perfume e
consistência...


(Comumente a Caatinga tem a Morte
por amuleto mas por esses tempos a vida
é sua máscara. Concretamente mudo
o verde que deságua por essas terras
cobre-as de muitas esperanças fugitivas.
Feliz e forte em si mesmo
– e nos instantes que se desprendem
a cada um de seus passos –
o sertanejo sorri alegre em vê-la
como por uma primeira vez
repleta de saudades
com a feminilidade das terras que se
casam com o mar e entre
ele e sua filosófica longitude declamam
sua matéria de eternidade afastada
e vida azul sempre presente
e oculta...)

Anguera surge pequenina e surpreendente
debruçada na cama dos morros
repousada de amor e desencantos
ora tardios ora secretos
e inanimados.
Sobre o tapete duro do prazer das
serras vê-se Anguera descrente e viva a
cada instante de amor, aproxima-nos
de si enquanto a estrada
a consome em memória.
Enquanto a lembrança e o tédio
a semeiam em eclipse e vento
– em santificação letal e falsa
para o novo reencontro dos
antigos esquecimentos
que sempre voltam.

O carro as pessoas e as esperanças
cortam a carne da estrada (nova e velha)
como ao vencedor a Morte zomba.
Miúdas certezas miúdos beijos
miúdos olhares sob a claridade doce
das serras se envolvem no ônibus
enquanto indiferente durmo para
tudo isso e busco um tempo
explodido entre os morros que anunciam
a mão esquelética da Transformação:
a síntese precária da natureza
sob a criação que se extingue
de minuto a minuto
de vivência em vivência de cada segundo
de eternidade a eternidade
em cada herança de sono
de outras e de outras
vidas e Vidas...

(Serra Preta existe apenas no mistério
e nas migalhas do imaginário:
nunca a vi... sempre por trás
da paralisia encoberta da montanha
de verde e pensamento.
Sempre decifrada no nada
e naquilo que em mim sobrou de absoluto e bêbado
e que só sei que as tenho só por esquecer.
Serra Preta é uma música da
qual não me lembro de tê-la lembrado
alguma vez. Serra Preta é um
nome uma rapsódia uma epifania.
Uma narrativa sem fatos que
reconto a mim enquanto
Eu os outros e o carro
sangramos a estrada...)

As paradas que faz o carro
são mais que uma necessidade:
são um enterro (uma morte onde se caminha) –
são uma existência que vai depressa
sempre correndo – a si mesma se levando.
Cada ponto de ônibus é um falecimento.
Cada viajante que sobre o âmago
do ônibus despoja sua provisória vida
é mais um morto na descida que leva longe:
longe demais do Viver
longe demais das cores da Caatinga que
com o curto tempo desbotar-se-ão
com a Alma e seus homens
de cor e pedra e alma e sonhos...

Bravo vem manso e cansado...
quase imperceptível ao longe de seu entroncamento
que não leva a parte alguma de todos nós.
O Bravo ao contrário de Serra Preta
não existe no mistério mas é um
mistério uma charada que se desvenda
a cada dia enquanto a morte se nos chega:
o Bravo é uma voz que até nós sobe
de tão simples – de tão mística – de tão
pressentida no vazio dos
ônibus sempre ocos.

(Os rios por essas épocas do ano
são como veias para os ossos da terra
para os esqueletos das rochas e para o espírito dos gados que se pensam –
quase sempre sem sangue
quase sempre esquálidos (abandonados)
de soluções e de vastos mundos
por onde passam.
Os rios quase nada nos dizem de velharias
de retirantes ou dos corações perdidos
de pó e espinhos e gente e santos e mil diabos.
Os rios como fios elétricos da terra
inumana e indesejada sempre nos falam
do fazer falso do Novo
do divino por fora de todo perdido...
Os rios mesmo na Caatinga
são sempre novos e infantis – adolescentes
talvez?! – mais imaturos como
nunca e mais jovens que a Eternidade
que ao mesmo tempo é velha
e transcende o tempo e as coisas
e suas almas e seus
vestígios...)

A serra ao longe que há pouco era uma
menina observa-me do alto
de sua testa de árvores e pedras como um Adamastor adoecido
– Pau Ferro fica logo atrás desse gigante
ingênuo: com seu perfume de lembrança
e sua metálica audição de granitos bambus
bananas e macambiras e sua imensa e inexplorada
longitude de poucos metros
com seu colossal abandono de
pequenino e seus abismos de pai ao lado
da materna dor do Nordeste
escondida no ventre dos sertanejos
que são um único fraternal e
fraco corpo. Pau Ferro tem a cor do cheiro
das plantas sertanejas e a desilusão
de seus habitantes e de um tempo
que é para sempre ontem...
O amanhecer voa claro em Pau Ferro
e o colorido
do calor do dia sopra mais fundo em
minhas vistas. A ânsia de ultrapassar
os instantes dependurados sobre Pau Ferro
perdem-se em mim como estes últimos
versos com que chego ao quase
fim de minha jornada –
começada dia a dia entre o
sempre e derradeiro fim...















II






– Eu sinto Ipirá como quem chega de mim
ao chegar em seu abdômen de sangue
e mármore  aliás
para que valeria tanto chão e pressa
se cada hora
não fosse perfeita
sobresse destino tão
presumível
e impossível de
se viver.
Do que valeria
tanto se cada coisa
sempre-mesma
se apresentasse a mim
indefinível?. Eu
sinto Ipirá ao vê-la e ao pisar-lhe
o chão como peregrino que sou e de mim mesmo.
Eu a sinto como quem sofre e como quem come.
Sinto-a em cada um de seus ares com
fincadas flechas nas aproximações
das crianças que aprenderam
a não ter esperanças e
algum dia
testemunharão
o grave frio das fúrias
que a alma nos entrega e
pede de volta na
mesma sã e
incorruptível
moeda.
Estou em Ipirá:
depositado e abreviado
de dias e compromissos
menos imediatos.
Estou em seu olho que
me parece vir...
estou em
sua velhice
e em sua vontade...
Estou no sono
de Ipirá
quando aqui
sempre chego e
Ipirá me espera (Ipirá
me espera em si
por dentro de mim e em
nossa sabedoria desmemoriada
por parecermos demais... – Ipirá me saudara...) –
o Tempo muda rápido, numa vagareza mais do
que comum do tempo e seus artífices e
o vigor do encontro é mais demorado
e um quanto que mais enérgico.
Pois aqui já dizia alguém da terra
que sangue suor e todas as
lágrimas dos dias
se misturam nesse chão
de barro e vida.
Os dias por aqui
apesar do sangue e da
transpiração dos dias e dos
muitos sentimentos
apesar dos homens e dos
porcos das máquinas das alfaces
dos fumos de suas mulheres
e de seus falimentos
estão em minha tranquilidade...
A feira é um gesto um
acordo entre
seres entrecruzados
um aperto de mãos abreviado
de vida e de longas descidas
pelo rio da morte
e da insatisfação
– a feira (tão famosa e tão não
lembrada por tantos)
deposita sua voz
no lombo surrado dos
carros de bois
e dos homens sobre os carros
e sobre os próprios homens
permanecidos parados
pedindo perdão aos seus
primeiros pecados
e palavras
parecidos
profundos
profanados parte por parte – repartidos.
Ipirá talvez seja
um rio de tão idoso
ou a própria morte
de tão forte e de tão
inegavelmente precisa.
Ipirá cabe em três palmos e meios
de minhas mãos
vista do Morro Alto,
e Eu caibo em sua
subjetividade
como quem se imagina
em matéria leve e
incorruptivelmente
bruta.
Mas nada é maior em Ipirá
que a sua desilusão
de mais de mil cabeças:
cabeças de gentes
de porcos
de bois
de galinhas
de comércio de pasto e leite...
Calcada no infinito
profundo e desnecessário
dos morros e das fazendas
Ipirá se move ao passo
dos jumentos que carregam
o mel da Caboronga
(a velocidade dos jumentos
é uma velocidade imprecisa –
é a velocidade da esperança e do
medo de toda esperança.)...
Ipirá é uma migalha orgulhosa
de Universo
ante à incompreensão
suja e santa
do próprio Universo...
Despida de Céus
sua honradez desnecessária
germina-se dos verdes pastos
dos morros que são seu travesseiro
e de seus capins (de um verde imenso
de vida e anulação) –
tapete efêmero e irrecuperável
de suas obras cristalizadas –
caem seus animais de ferro
e rocha e carne e espiritualidade
inumanas:
breves brados surdos das paisagens
inconclusas de sua memória
e de seus braços atados
à suspensa pena
de intervenção definitiva
da concepção do tempo
como agente consciente da dissolução
das coisas...
Eu respiro Ipirá pelas narinas da noite
e pelos pulmões
das madrugadas mais próximas e breves...
Sinto todo o seu perfume de profundidade e angústia
de sensações de medo intensificados de suas
banidas lembranças e de seus momentos
maiores de dramática intensidade
de seu determinismo de seu
gozo profundo acompanhado
de dor tão forte e religiosa
de sua reprodução e morte...
Ipirá aspira à vida em cada um
de seus paralelepípedos
em um a um de seus becos
uma por uma de suas praças
e ruas quase infinitas
e que são nervos de seu cérebro
esquecido e lúcido
de loucura concreta e adequada.
Ipirá respira a vida
em sua linguagem
mística de
sertanejos calados
e animados de vazio e
doçura.
Ipirá deseja
e sopra vida
e Vida
no aroma
incorrupto
de seus mendigos
roceiros
senhoras
e putas.
Ipirá é um viver
reescrito em palavra e
dor: numerosa dor
inflexível e
admirável dor:
dor de gentes
dor de gentes maiores
que outras gentes
dor de gentes
convertidas
em bois e carros
dor de gente transformada
e transfigurada em porcos
dor de gente e de morros
dor de gente e lixo
e gente de lixo e dor
dor de gente convertida em outros
dor dos outros
dor de nós
dor de Ipirá e suas células
dor infinita e
inumerável dor de
mim que estou em sua glória
e em sua fraqueza
que estou em seu sexo
e em sua conversão
em seus olhos
em sua boca
e em suas
palavras...
em sua mudez
em seu horror...
em sua devoção.
Ipirá é para mim
esta amizade corrupta de sonhos
como a juventude das pessoas e dos amanheceres
de Ipirá retiro quase todos os dias os barros
de minhas línguas e as sementes
das pernas que se apressam
de tanto chegar a mim
e em seu surpreendente
avivamento –
e esta vontade de amar a vida de novo e
pelo avesso encontrei em Ipirá
e em cada mulher de sua terra.
Ipirá é um sonho:
dormindo sempre na memória
dos homens munidos de olhos e
facas, abraçados aos rios e à nascente
da ilegível bica da Caboronga
e abaixo da superfície calma
do entardecer dos dias
que são mais bonitos sobre as planícies
quase imaginárias
onde a Estrada e Baixa Grande
são uma ideia
coberta dos concretos abstracionismos
da carne virginal
dos delírios da feira
na falsificação do meio-dia.
Deste sonho que é Ipirá
acordo sempre para dormir
de novo em seu leito de chagas
e frutas frias e calmas.
Ipirá se encontra dentro de muitas outras coisas
como muitas outras encontram-se dentro
d’outras muitas outras
coisas e d’outras...
A música que
Ipirá respira
é como o doce líquido
da paz do sangue das carroças
e dos carros alimentados
de gentes e de imensos
e vulgares vazios de
gente vazia e líquida
como sangue e música...
As horas de Ipirá
são como as voluptuosas horas
dos presentes velozes a
se retardarem de
relógios parados de tempo
de tempo parado de movimentos
fluídos e líquidos
como relógios
como pássaros
(que não mais existem)
com seus carcarás (a não mais existirem)
com seus mamíferos (que ainda existem) como
minha vida (que não se quer e existe) como
Eu...
Eu impuro e branco como as chuvas
que alimentam a imprestável
jovialidade da vida que
beija a Caatinga
como uma chama ou
como o brilho do gelo e do vento
que me transporta –
e transporta também a Ipirá –
para a fome
da felicidade temporária da Caatinga
quando verde...
para o afogar-se
invisível
de todo este lençol de
Beleza agora morta
e desejada o cobertor da morte
como vida e castigo
de tantas vidas
a se compreenderem tanto...
Ipirá trava em si a violenta e invisível
luta de elementos
e de origens construídas de
absoluta violência e cuidado no
exíguo espaço da
cidade que dorme para si
e para seus filhos
vestidos de sombra e noite:
noite orgânica. Noite mínima em
mínimo homem... homem
mínimo em mínima
noite morta
homens mínimos e inteiros
singelos momentos de
existência e morte
homens que ali
apreendem ritmos populares
das festas e dos deuses
que erram em amar sua Criação –
na clandestinidade imposta
dos sonhos das crianças
que cruzam os órgãos
expostos e verdes
e claros daquelas roças
onde a vida pousa lentamente
na inocência abundante
dos pés daquelas crianças
e nos seus sonhos
igualmente infantis
e desnecessários
a tantas
coisas doadas
pelo bruto branco dos mundos.
Ipirá está povoada da
dura realidade mística
do aroma de suas paisagens
que também são homens:
místicos e perfumados
como a paisagem
a paisagem e sua sensualidade
branda e incansável
com seus pássaros e mamíferos
de paisagem e espessa fantasia...
A paisagem
e seu atributo essencial de poesia
e das cores de Ipirá
que me olham
como a uma impressão de ponte
no processo mesmo da visão das almas
no prefácio fictício
passo a passo seguido  
(Ler soir clair nous conduit au jardin taciturne...
e a Morte rasga o Silêncio
dessas flores e febres que
são para as almas como o sol
imortalizado no fechar dos olhos
destas tardes de dor e azul
inegavelmente profundo...
E o Sol que dorme
é o temperamento daquela
alma perdida em Ipirá
decifrada
no Céu e no incunábulo obscuro
de sua terra
de sua sombra
de seu pó...
de sua lembrança
encarcerada no
silêncio dissonante da memória
interligada com o ocioso Sublime)
pela minha vida noturna e
fascinada
dans mon
coeur ébloui

e mais um verso de
Paul Morin me
aborda e me toma...
Ah! Ipirá
afogada de tanto Infinito
centrada nos vales da razão geológica
e inorgânica da Caatinga imortalizada de miasmas
Ipirá
de meu amigo Agostinho
de seu pai
de sua avó
tão distante (e de seu
Esquecimento)
 – Ipirá que
fenece em seu duro
e generoso
parto...
Ah, Ipirá de
meus amores
mitológicos
e inegáveis.
Ipirá reproduzida
em meus ossos
e em meu
eterno presente.
Ipirá de tantos
olhos
Ipirá
de tantas
almas.
Ipirá de
tantos e tantos
sonhos...
Ipirá
sem
nome...










III






– (O mar é a antítese das terras onde
habita o Sertanejo cheio de cor
– cor eterna é claro –
repleta de vida
cheio do mover insustentável e indivisível
dos peixes que assistem em seu ventre
feminino e hodierno como
todos os passados pressentidos
ou como todos os futuros
que se esqueceram...
Como os peixes que no mar habitam
– também como os peixes que nos rios vivem –
cada homem do Sertão corre atrás da vida
fabricada ou vendida
trazendo a morte e o esquecimento
de muitos outros por carga ou
por sorte...

A Caatinga que esquece
os passos de cada homem
produzido dela
ao contrário dos rios
e do mar
e da memória
que não consomem
os peixes
destrói e reconstrói
à sua maneira
cada
homem e cada vida
martelada
e revigorada no
homem:

Peixes:
como caudas e barbatanas
de homens –
Homens:
como as
escamas
e o crânio dos peixes...)














Ipirá – Feira de Santana, dezembro de 2001.










Um comentário:

  1. Aqui passei sem querer
    E me apaixonei pelo espaço!
    Senti de tua alma o traço
    De luz que envolve teu ser.

    Poucos têm esse poder
    De compor sem embaraço
    Versos tão belos - pedaço
    Que compartilhas sem ter

    Noção do bem que é parte
    De tua alma que com arte
    Reparte parte de ti

    Como se fosse um aparte
    Do divino, e pois, destarte
    Faz dar-se parte de si.

    Gostei imensamente de teus poemas! Parabéns! Estou a te seguir. Abraços. Laerte.

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